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Justiça suspende exploração de madeira promovida por Alcolumbre por violar direitos de extrativistas no Amapá

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O projeto para extração de madeira no Assentamento Agroextrativista (PAE) Maracá, que previa o manejo de 172 mil hectares de floresta primária em Mazagão, no sul do Amapá, foi suspenso pela Justiça Federal por violar direitos das comunidades locais e burlar regras da reforma agrária. A proposta, que já havia sido promovida como um exemplo de sustentabilidade pelos senadores Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e Randolfe Rodrigues (PT), recebeu a sentença do juiz federal Athos Alexandre Câmara Attiê nesta segunda-feira (23). 

A decisão anulou os contratos firmados entre a Associação dos Trabalhadores do Assentamento Agroextrativista do Maracá (ATEXMA) e as empresas Eco Forte Bioenergia e Norte Serviços Florestais, ligadas ao grupo TW Forest. A Justiça determinou a interrupção imediata de todas as atividades de extração de madeira na área, onde também vivem cerca de 2 mil famílias.

A sentença de Attiê explica que os contratos do manejo no PAE Maracá foram assinados antes da realização das assembleias comunitárias, que deveriam autorizá-los, e sem a anuência prévia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), exigida por lei. Para o juiz, o processo violou o princípio da deliberação coletiva e configurou uma “simulação de legalidade”.

“O arranjo estabelecido distorce o modelo de exploração pessoal e comunitária, converte o assentamento em mera plataforma física para empreendimento privado e descaracteriza, na substância, o regime jurídico da concessão pública fundiária”, escreveu o magistrado.

O arranjo estabelecido distorce o modelo de exploração pessoal e comunitária, converte o assentamento em mera plataforma física para empreendimento privado e descaracteriza, na substância, o regime jurídico da concessão pública fundiária.

Trecho da decisão do juiz federal Athos Alexandre Câmara Attiê

A decisão atende à ação do Ministério Público Federal (MPF), que apontou que o projeto “ignora a legislação agrária e ambiental, assume um formato empresarial e foi implementado com exclusão da comunidade, sem garantir os direitos de informação, participação e decisão dos verdadeiros beneficiários da reforma agrária”. O órgão também relatou denúncias de uso político da associação local e de ameaças contra moradores contrários à proposta.

A TW Forest informa em sua página na internet que a madeira retirada do Amapá é beneficiada e exportada para os Estados Unidos, Europa e Ásia.

Executivos da TW Forest e Eco Forte acompanharam o senador Alcolumbre e o Governador Clécio Luís em visita à área de extração no PAE Maracá. Foto: Israel Cardoso/Governo do Amapá

Mandato de Alcolumbre articulou projeto 

Publicações nas redes sociais mostram que o senador Davi Alcolumbre articulou politicamente para garantir a aprovação da exploração madeireira junto ao Incra. À época, o órgão era dirigido por Fábio Muniz, indicado do senador. Muniz deu anuência ao projeto mesmo diante de três pareceres técnicos contrários — dois do Incra e um da Secretaria de Meio Ambiente do Amapá (SEMA) — que depois foi substituído por um parecer favorável ao projeto com a troca da equipe técnica de avaliação da secretaria estadual.

“Com articulação do nosso mandato, conseguimos a anuência com o Incra para que isso se tornasse uma realidade”, escreveu o senador nas redes sociais.

Nas redes sociais, senador Davi Alcolumbre disse que mandato articulou autorização para projeto de manejo no Maracá. Imagem: Reprodução/Facebook

Alcolumbre visitou a área do projeto. Nas postagens, a página oficial do político diz que o projeto estava “mudando a vida dos amapaenses”. 

Além de Alcolumbre, o manejo no PAE Maracá também contou com apoio público do senador Randolfe Rodrigues, que participou do evento para entrega da licença às madeireiras, e do governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade). Em 2023, os dois apresentaram o projeto como “modelo eficaz” na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai.

Contratos milionários e falta de transparência

Os contratos, firmados em 2021, já determinavam prazo de execução, volume e intensidade de corte, mesmo antes da aprovação do plano de manejo pelo órgão ambiental, que só ocorreu em setembro de 2023. A proposta envolvia a compra de R$ 401 milhões em toras da ATEXMA, ao valor de R$ 103 por metro cúbico. Quase metade desse valor retornaria para as próprias empresas vinculadas à TW Forest pelos serviços prestados, o restante ficaria com a associação.

A parte da comunidade foi convertida no programa Bolsa Floresta, criado pelo governo estadual com apoio político de Alcolumbre. O programa previa um pagamento mensal aos moradores, mas somente para aqueles que assinaram os contratos com as madeireiras tiveram acesso ao benefício. As demais famílias ficaram de fora.

“Não há transparência. Ninguém sabe por quanto estão vendendo a madeira, nem qual é o real lucro da comunidade. O Bolsa Floresta foi uma forma de cooptar as pessoas com um pagamento mensal, sem que elas soubessem o que estavam assinando”, disse Ezequias Rosa Vieira, uma das lideranças locais que denunciou o projeto.

Vieira afirma que chegou a ser ameaçado por sua oposição ao empreendimento.

Senador Davi Alcolumbre foi um dos apoiadores do Bolsa Floresta, que usava verba com a venda da madeira para remunerar famílias mensalmente. Reprodução/Instagram

Aliado político ignorou pareceres sobre aumento do desmatamento

Antes da liberação do projeto, técnicos do Incra e da SEMA alertaram que a proposta tinha viés empresarial, não atendia aos critérios do manejo comunitário e representava risco de esgotamento dos recursos florestais. As análises recomendavam um ciclo de 35 anos e unidades de corte de no máximo 100 hectares. O plano aprovado, no entanto, previa unidades de até 12 mil hectares e exploração intensiva em apenas 14 anos.

“O perigo de dano evidencia-se no risco concreto e iminente de comprometimento irreversível da cobertura florestal nativa”, alerta a decisão.

Em março de 2024, a InfoAmazonia revelou que a TW Forest controla todas as etapas do projeto, da extração à exportação da madeira. A Norte Serviços Florestais, contratada para o corte e transporte, está registrada em nome da esposa de Obed Corrêa, ex-técnico da SEMA e gerente da própria TW Forest. Já a Eco Forte, responsável pela compra das toras, é administrada por um executivo da TW no Amapá.

A reportagem também mostrou que a madeireira construiu uma serraria e um porto de embarque às margens do rio Vila Nova, em área de preservação permanente (APP), com base em um licenciamento ambiental contestado por técnicos da própria SEMA. Entre 2022 e 2023, a TW Forest foi multada seis vezes pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), por armazenar e vender madeira sem documento de origem florestal (DOF) e por exportar madeira sem autorização dos órgãos competentes. 

A decisão da Justiça ainda pode ser contestada pelas empresas. O juiz também ordenou que o Incra fiscalize a área para evitar novos danos e proteger os direitos das comunidades assentadas.

A reportagem entrou em contato com as assessorias dos senadores Davi Alcolumbre e Randolfe Rodrigues, mas eles não se manifestaram sobre o assunto. 

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