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‘Prove que estou errado’: como Charlie Kirk agiu nas universidades e virou fenômeno do conservadorismo jovem nos EUA

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Charlie Kirk pouco antes de ser baleado em universidade nos EUA
Reuters
O ativista americano de direita Charlie Kirk, assassinado com tiro de fuzil no pescoço na última quarta-feira (11), construiu sua popularidade entre os jovens conservadores por meio de dinâmicas como a que ocorria quando foi baleado na Universidade Utah Valley (EUA): debates e provocações ideológicas em ambientes acadêmicos.
➡️“Prove que estou errado”, costumava escrever nos cartazes, convidando jovens (especialmente os progressistas) a discutir com ele em público, no meio do campus. Eram desafios retóricos: Kirk montava uma tenda ou uma bancada em ambiente aberto e ficava à disposição de estudantes que poderiam, ao microfone, fazer qualquer pergunta sobre posicionamentos econômicos, políticos e sociais.
Kirk defendia ideias como:
proibição total do aborto, sem exceção para estupro;
críticas a políticas de equidade racial em instituições de ensino e empresas;
liberação do porte de armas para cidadãos comuns (Segunda Emenda);
existência de apenas dois gêneros (deslegitimando a transexualidade);
incentivo a denúncias de professores que, em tese, praticassem a chamada “ideologia de gênero” durante as aulas;
abolição de iniciativas mais agressivas de combate às mudanças climáticas;
economia de livre mercado;
liberdade de expressão;
maior presença da religião cristã na vida pública, questionando a separação tradicional entre Estado e Igreja.
📢Toda a estratégia era organizada pela Turning Pint USA, organização conservadora fundada por Kirk e Bill Montgomery em 2012. Os eventos nas universidades atraíam multidões — de apoiadores e de opositores, que misturavam aplausos, vaias e manifestações. O material era transmitido ao vivo na internet e posteriormente gerava cortes de vídeos que viralizavam nas redes sociais.
Política da maneira correta
Em artigo de opinião publicado no jornal “The New York Times”, o jornalista, escritor e comentarista político Ezra Klein defende que, embora discordasse da maior parte do que Charlie Kirk acreditava, o ativista “praticava política exatamente da maneira correta”.
Para Klein, a estratégia de Kirk de comparecer a universidades, dialogar com qualquer pessoa disposta a conversar e usar a persuasão de forma eficaz era uma virtude. O comentarista o descreve como um dos mais eficientes “praticantes da persuasão desta era”, que quebrou o domínio do pensamento de esquerda nos campi universitários.
Klein aprofunda sua análise ao afirmar que, embora ele e Kirk estivessem em lados opostos na maioria dos debates políticos, ambos compartilhavam o interesse em manter a política como um campo de disputa de ideias, e não de violência. “Deveria ser um debate, não uma guerra; deveria ser vencido com palavras, não terminado com balas”, escreveu o colunista. Essa perspectiva ressalta que a força de Kirk, segundo Klein, estava em sua disposição para defender suas convicções no debate público, e não pelo uso da força, um princípio que o jornalista considera essencial para a democracia americana.
Capacidade retórica e tom moderado
Os defensores de Kirk exaltam a capacidade retórica do ativista e sua disposição para dialogar com progressistas, como explica Ivanildo Terceiro, especialista em comunicação política e diretor de marketing do Students For Liberty (organização estudantil de origem americana que se propõe a ser “pró-liberdade”).
“Kirk estava em um ambiente [universidade] em que é recusada qualquer outra ideia além da que já está posta lá. Em diversos casos, era a primeira vez que aqueles alunos tinham contato com os argumentos e dados citados por ele”, diz. “Não se estuda, não se fala, só se ignora o liberalismo no ambiente acadêmico.”
Já os críticos apontam que o americano utilizava um tom falsamente moderado para disseminar discursos de ódio e ataques a minorias.
“A presença de Charlie Kirk nas universidades nunca foi um exercício legítimo de pluralidade, mas sim uma estratégia deliberada de provocação e radicalização”, afirma David Nemer, professor no departamento de Estudos de Mídia na Universidade da Virgínia, nos EUA.
“Ele atuava como um agitador extremista, buscando confrontar professores e estudantes progressistas para criar narrativas de perseguição e censura. Kirk utiliza linguagem inflamada, simplificações grosseiras e ataques diretos a minorias e movimentos sociais, sempre com o objetivo de mobilizar ressentimento e reforçar a lógica trumpista de confronto permanente”, diz o docente.
🔊O fato é que Kirk, ao vender um estilo de vida cristão e conservador, angariava milhões de visualizações nos vídeos de seus embates ideológicos. Ele teve papel relevante na mobilização do eleitorado jovem pró-Trump em 2022, afirmam os cientistas políticos ouvidos pelo g1. Veja mais detalhes abaixo.
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Debate aberto ou ataque deliberado?
Flores e velas são deixadas em frente a uma foto de homenagem a Kirk
Annegret Hilse/Reuters
O uso do lema “Prove que estou errado” não necessariamente garantia que a proposta fosse a de um debate democrático, afirma Nemer.
“É uma estratégia que não parte de uma disposição genuína ao diálogo, mas de uma encenação retórica. Ela transforma a arena acadêmica em um espetáculo em que o objetivo não é argumentar com rigor, mas humilhar opositores e produzir cortes virais para as redes sociais”, diz o professor.
Segundo ele, foi exatamente essa tática, somada ao uso de memes e de “vitimização performática”, que gerou engajamento digital e consolidou a imagem de Kirk como um “provocador”.
Na visão de Paulo Ramirez, sociólogo, cientista político e professor da ESPM, o ativista “fez o mesmo que alguns jovens conservadores no Brasil, como Nikolas Ferreira [deputado federal], ao entrar em universidades e provocar estudantes”.
“A diferença é que Kirk tinha uma forma mais democrática de agir. Promovia diálogos, era eloquente e se expressava muito bem ao assinar embaixo de tudo o que era conservador”, afirma Ramirez.
Lucca Santos, professor e doutorando da Florida Atlantic University (EUA), esteve envolvido na organização de eventos da Turning Point USA. Ele afirma que Kirk tinha, sim, uma disposição (além de uma inegável habilidade) de falar com quem divergia de suas ideias.
“Posso dizer, com propriedade, que Charlie era um jovem apaixonado pelas ideias e pacífico. Ele realmente queria formar jovens e abrir um canal para o diálogo. Insistia que, no momento em que pararmos de falar com quem pensa diferente, a violência começará”, afirma Santos.
“Ele queria dialogar e acolher: abriu portas fazendo isso.”
O discurso da guerra do bem contra o mal
Charlie Kirk em conferência de Maryland, nos EUA, em 2019
Kevin Lamarque/Reuters
Fabrício Amorim, pesquisador vinculado ao Núcleo de Estudos de Arte, Mídia e Política (Neamp) da PUC-SP, explica que a chave para o sucesso do discurso de Kirk era a narrativa de “guerra cultural”.
“É trazida a noção de que existe o bem, que quer retornar com uma moral mais pura, e a denúncia de que existe o mal, incrustado na sociedade, principalmente nas universidades, e que precisa ser combatido a qualquer custo”, afirma.
“Kirk mostrava para quem é conservador que a pessoa está do lado do bem, das boas ideias, do cristianismo. Isso ajudou a conseguir apoiadores que não tinham tanto contato com a ideia de ‘direita x esquerda’ ou de ‘conservadorismo x progressismo’. Os conservadores conseguem trazer respostas simplificadas que dão sentido à vida das pessoas”, explica Amorim.
Na visão de Ramirez, da ESPM, de fato, o discurso de Kirk encaixava-se perfeitamente aos anseios da juventude — atraindo-a para o trumpismo.
“Ele conseguiu isso porque os jovens norte-americanos têm certa desesperança no futuro. Kirk entrou nesse vácuo com uma pauta conservadora: deportação de imigrantes ilegais, conservadorismo climático, negacionismo da Covid… Todo esse combo”, diz o sociólogo.
Articulado ou sofista?
Os especialistas ouvidos pela reportagem divergem neste aspecto:
parte acredita que, de fato, Kirk era articulado e sabia defender de maneira contundente suas ideias;
enquanto outros veem a habilidade como um “sofismo” – ou seja, Kirk utilizaria um raciocínio que parece válido, mas que, na verdade, defende uma ideia falsa, como se a oratória fosse mais valiosa do que o conteúdo do que está sendo dito.
“Ele era uma jovem liderança, com um provável futuro político de ascensão no Partido Republicano. Chegava-se até a especular que ele seria um substituto de Trump”, afirma Ramirez.
“Ele não carregava o estilo de falas mais incisivas e gritos. Mas tinha o sofisma e a capacidade de persuasão, o que atraía muito os jovens perdidos e sem perspectiva.”
David Nemer, da Universidade da Virgínia, não concorda que o tom de Kirk fosse pacífico.
“Muitos exaltam a suposta habilidade dele como articulador político e grande debatedor. Pode até ser essa a percepção em certos setores da direita, mas o que ele realmente promovia era um discurso violento, armamentista, racista, misógino e anti-LGBTQ+”, diz.
“Infelizmente, para alguns, a vileza que Kirk passou a vida espalhando se torna secundária diante da forma eloquente como ele a difundia.”
O pesquisador refere-se a momentos como quando Kirk:
alegou que o Civil Rights Act de 1964 foi um erro — e fez críticas frequentes ao líder Martin Luther King Jr., assassinado em 1968, atribuindo a idolatria a ele à obsessão americana por raça;
referiu-se à juíza negra Ketanji Brown Jackson como “diversity hire” (contratação por diversidade);
afirmou que “se eu vejo um piloto negro, penso: espero que ele seja qualificado”;
criticou de forma recorrente ações afirmativas, D.E.I. (Diversidade, Equidade e Inclusão), aborto e imigração ilegal;
comparou o aborto ao Holocausto;
afirmou o direito dos cristãos de se oporem “a qualquer forma de ativismo de gênero nas escolas e universidades”, defendendo medidas como banimento de iniciativas voltadas a jovens trans;
disse que pessoas trans representam “um dedo do meio latejante para Deus”.
Ivanildo Terceiro, da Students For Liberty , diz que esses rótulos de racista, misógino e transfóbico, por exemplo, são absurdos.
“Nunca o vi pregando a morte de quem quer que seja. O que Kirk fez foi atacar políticas de inclusão de minorias. Tachar alguém de racista porque a pessoa é contra cota racial é uma interdição do debate. É possível achar injusto fazer diferenciações por cor sem ser racista. Mas qualquer discordância [no ambiente acadêmico] já faz com que alguém vire extremista, transfóbico”, argumenta.
Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP), defende que o ambiente acadêmico seja sempre plural, com respeito à liberdade de cátedra.
“Não há espaço no ambiente acadêmico para quem defende algo sem base. A ideia de que isso faz da universidade um espaço intolerante precisa ser matizada. O que se preza é pela ciência e pelo conhecimento rigoroso, e não pelo plano da opinião”, afirma.
“Kirk era muito carismático e cativava as pessoas, gostava do debate e soube encontrar um mercado para isso. Isso talvez seja mérito dele”, afirma Janine. “Mas a universidade não é espaço de opinião, e sim de ciência. A política de cotas [da qual Kirk discordava], por exemplo, parte de constatações que pesquisas empíricas mostraram.”
O que pode acontecer?
O atirador de Kirk foi preso na manhã desta sexta-feira (12), no 3º dia de buscas por ele.
A morte do ativista, tratada por todos os entrevistados como algo trágico (independentemente de concordarem ou discordarem das ideias do ativista), pode gerar os seguintes caminhos, afirmam os especialistas:
fortalecimento do discurso de que há uma perseguição à direita no mundo (mencionando outros fatos recentes, como o assassinato do conservador Miguel Uribe, pré-candidato à presidência da Colômbia);
responsabilização da esquerda e um desejo de vingança que aumentaria os ataques a universidades de elite e a intelectuais progressistas nos Estados Unidos, como um “novo macarthismo”;
transformação de Kirk em mártir e crescimento do número de apoiadores da Turning Point USA;
crescente ameaça à democracia e intolerância a ideias divergentes.
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