O desafio de manter seu financiamento deve ser um dos temas centrais das eleições para reitor da Universidade de São Paulo (USP), cujo período de campanha começa oficialmente nesta quinta-feira, 18. Pela primeira vez, as três chapas são compostas por um homem e uma mulher, reflexo do aumento da diversidade que marcou os últimos anos na mais conceituada instituição de ensino superior da América Latina.
Os três candidatos a reitor ou reitora fazem parte da gestão atual, o que deixa a eleição sem um grupo declaradamente de oposição. As votações acontecem no dia 27 de novembro, das 9h às 18h.

Não há eleições diretas. Um colegiado de cerca de 2 mil pessoas – com maioria de professores, mas também com representação de alunos e funcionários – vota para escolher o novo dirigente.
O resultado é uma lista tríplice que é enviada para o governador do Estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Historicamente, o mais votado internamente é nomeado reitor para o próximo período, que vai de janeiro de 2026 a janeiro de 2030.
Já houve, porém, exceções. Em 2009, o professor da Faculdade de Direto João Grandino Rodas foi o segundo mais votado e acabou como o escolhido pelo então governador José Serra (PSDB).

Nos três planos de gestão, há em comum a preocupação com o orçamento da USP nos próximos anos. Isso porque a reforma tributária acabará gradualmente com o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços (ICMS), que é a fonte de recursos da instituição.
Desde 1989, a universidade recebe 5% da arrecadação do tributo do Estado. Neste ano, isso representou cerca de R$ 7 bilhões.
A reitoria atual tem discutido com o governador a garantia de um mecanismo para que a instituição receba valores semelhantes nos próximos anos, mas ainda não há uma decisão. O financiamento com uma cota fixa do imposto é um dos pilares da autonomia universitária, que aparece como indiscutível nos planos dos três candidatos.
Outros pontos em comum são investimentos em Inteligência Artificial, mais apoio aos calouros, a valorização da diversidade, modernização dos currículos e a maior internacionalização da USP.
A instituição tem aumentado aos poucos o número de alunos estrangeiros, atualmente são cerca de 800, mas a quantidade de estudantes que vão para o exterior está estável (cerca de 1,7 mil por ano).
A universidade tem aproximadamente 90 mil estudantes, entre graduação e pós, 5,3 mil professores, e é responsável por 22% da produção científica brasileira.
A atual gestão, sob o comando de Carlos Gilberto Carlotti Júnior, foi eleita ainda na pandemia e enfrentou uma longa greve pela falta de docentes. Em uma década, a USP havia perdido cerca de 800 professores que não foram repostos por crises orçamentárias e os períodos de enfrentamento da covid-19.
O movimento ajudou a acelerar a abertura de novas vagas, que tinha sido iniciada em 2022, e até hoje foram contratados mais de 900 novos docentes.
A gestão Carlotti também foi marcada por aumento da diversidade na instituição. Em 2023, a USP passou a ter cota de 20% para pretos, pardos e indígenas nos concursos para contratação de professores e servidores, medida prometida pelo reitor em sua primeira entrevista ao assumir o cargo, ao Estadão.
Foi criada também a pró-reitoria de Inclusão e Pertencimento da USP (PRIP) – sua titular, Ana Lanna, é uma das candidatas nesta eleição.
Quem são os candidatos?
Ana Lucia Duarte Lanna é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design (FAU), no departamento de História e Estética do Projeto, onde já foi também diretora. É a primeira pró-reitora de Inclusão e Pertencimento (PRIP) da USP, nomeada na gestão atual, e foi responsável pela implementação das cotas para professores, a criação da comissão de heteroidentificação e intensificação do combate ao assédio na instituição.

É formada em Ciências Sociais e História e tem como áreas de pesquisa a história das cidades e da arquitetura, patrimônio cultural e imigração. Fora da USP, presidiu o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) entre 2013 e 2015.
Seu candidato a vice-reitor é o professor do Instituto de Química Pedro Vitoriano de Oliveira. O plano de gestão da chapa inclui a valorização das licenciaturas, com foco para formação de professores para as escolas públicas, e reforço acadêmico para os calouros em áreas como Matemática, línguas, ciências de dados e inteligência artificial.
“A diversidade é vista como pilar central e transversal para a USP, não apenas como um compromisso social, mas também como um fator que enriquece a qualidade acadêmica, a inovação e a relevância da universidade na sociedade”, diz o plano de gestão.
Aluísio Augusto Cotrim Segurado é infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP em 1980. É o atual pró-reitor de graduação da universidade, onde ampliou parcerias internacionais.
Como médico e gestor, teve participação ativa no enfrentamento da epidemia por HIV no Brasil e era o diretor do Instituto Central do Hospital das Clínicas na pandemia de covid.

Sua candidata a vice-reitora é Liedi Légi Bariani Bernucci, professora titular e pesquisadora da Escola Politécnica da USP. Ela foi a primeira mulher a assumir a direção da unidade, uma das mais tradicionais da instituição.
O plano de gestão da chapa propõe renovação curricular na graduação, com ações de acolhimento, acompanhamento pedagógico e recuperação de aprendizagens nos primeiros anos, para evitar evasão e melhorar o desempenho dos estudantes. Também defende criar um Escritório de Inteligência Artificial e Transformação Digital, para articular o uso responsável da IA em atividades de ensino, pesquisa, inovação e gestão.
“Houve um tempo em que a USP era uma condição restrita, fechada, para poucos. Hoje, ser USP pode ser diferente, podemos conciliar excelência acadêmica, científica, intelectual que nos constituiu com um compreensão de excelência que englobe a diversidade”, diz o plano de gestão.
Marcílio Alves é professor titular da Escola Politécnica da USP, formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É o atual diretor executivo da Fundação de Apoio à Universidade (FUSP), onde foi o responsável pela ampliação do Museu do Ipiranga. Entre suas áreas de pesquisa, estão o impacto e segurança veicular.

Sua candidata a vice-reitora é Silvia Pereira de Castro Casa Nova, professora titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA).
Entre as propostas da chapa, estão criar um programa de acolhimento para ingressantes com recomposição de aprendizagens e a flexibilização de currículos com trilhas formativas que integrem cursos de diferentes departamentos e unidades. Também pretende incentivar políticas de apoio para mães cientistas e para outras pessoas com responsabilidade pelo cuidado.
“A defesa de uma universidade pública começa pela promoção de acesso e permanência na USP em suas várias instâncias, garantindo a diversidade da sociedade brasileira em nossa comunidade universitária”, afirma o texto.