Vivemos em uma era de hiperestimulação constante. Smartphones, redes sociais, notificações e múltiplas tarefas disputam nossa atenção a cada minuto. O resultado é uma epidemia de distração: muitas pessoas relatam dificuldade em manter o foco por longos períodos e em concluir atividades sem se dispersar. Essa dificuldade de concentração não é mero capricho; trata-se de um fenômeno real observado pela ciência cognitiva e traz consequências como queda de produtividade, aumento do estresse e a frustração de ver tarefas e projetos ficarem inacabados.
O impacto de notificações, multitarefa e excesso de estímulos na mente
Nunca estivemos tão rodeados de estímulos digitais. Uma estatística popular alega que hoje nosso tempo de atenção dura apenas 8 segundos, menor que o de um peixinho dourado, mas esse dado originou-se de uma fonte duvidosa. Pesquisas mais sólidas, contudo, confirmam que o tempo de foco está encolhendo.
A psicóloga Gloria Mark mostrou que o tempo médio de concentração em uma tela caiu de cerca de 2 minutos e meio em 2004 para apenas 47 segundos atualmente. Além disso, quando algo nos interrompe, nosso cérebro pode levar, em média, 25 minutos para retomar a tarefa original com pleno foco. Ou seja, cada notificação ou distração tem um custo cognitivo significativo.
Parte desse problema vem da sobrecarga de informações e notificações no dia a dia. Estudos indicam que um profissional típico verifica seu e-mail dezenas de vezes; um estudo observou, em média, 77 checagens de e-mail por dia, e recebe em torno de 46 notificações push no smartphone diariamente. Cada alerta sonoro ou visual no dispositivo é uma tentação para desviar a atenção. Mesmo sem usar ativamente o celular, sua mera presença por perto pode reduzir a capacidade cognitiva disponível, competindo com a tarefa em foco.
Em paralelo, consumimos uma quantidade enorme de conteúdo fragmentado — mensagens, posts, vídeos curtos — que condiciona a mente a buscar constantes trocas de estímulo. Esse excesso de estímulos mantém o cérebro em estado de alerta contínuo, podendo levar à fadiga mental, ao estresse e à ansiedade.
Outra armadilha comum é a crença na multitarefa. Muitas pessoas tentam realizar várias coisas ao mesmo tempo, como responder mensagens enquanto participam de uma reunião virtual, achando que assim serão mais eficientes. Porém, do ponto de vista neurológico, não conseguimos prestar atenção plena em duas tarefas simultaneamente. O cérebro, na verdade, alterna rapidamente o foco de uma para outra, o que gera custos de alternância, pequenos déficits de desempenho a cada mudança. Essas trocas frequentes prejudicam o rendimento e aumentam a chance de erros.
Pesquisas apontam que tentar fazer multitarefa pode reduzir em até 40% a produtividade de uma pessoa. Não surpreende, então, que, após um dia de interrupções constantes, a mente acabe exausta. A longo prazo, hábitos de multitarefa estão associados a impactos negativos na memória e ao aumento da impulsividade, especialmente em jovens. Em suma, a multitarefa e o bombardeio de notificações fragmentam nossa atenção e minam nossa capacidade de manter o foco por tempo prolongado.
A frustração de não conseguir concluir tarefas ou projetos
Um efeito visível da distração crônica é a dificuldade de concluir tarefas cotidianas do início ao fim. Com a atenção oscilando a todo momento, acabamos pulando de uma atividade para outra e acumulando afazeres inacabados. Estudos já relacionam os curtos períodos de atenção à incapacidade de finalizar tarefas diárias.
Do ponto de vista psicológico, deixar muitas tarefas pendentes gera uma sensação de inquietação mental. Nosso cérebro mantém as tarefas incompletas em aberto na memória de curto prazo, sinalizando que há algo pendente a resolver. O resultado? Tendemos a sentir dificuldade de concentração em outras atividades, ansiedade e sobrecarga mental. Esse estado de alerta contínuo — várias abas abertas na mente — frequentemente dá a impressão de que estamos sempre ocupados e, ao mesmo tempo, que nada progride de fato.
Ver vários projetos iniciados, porém nenhum finalizado, pode ser desanimador. Psicólogos descrevem que um acúmulo de tarefas em aberto ocupa espaço mental, gera distrações e atrapalha o foco no que realmente precisa ser feito. Além disso, a falta de conclusões concretas traz queda na motivação: quando parece que nada anda, instala-se a frustração e o sentimento de incapacidade. Essa frustração pode virar um ciclo vicioso: estressados pela lista de tarefas inacabadas, temos ainda mais dificuldade de manter o foco para concluir alguma, prolongando o problema.
Estratégias clínicas e cognitivas para reconstruir atenção e presença
A boa notícia é que é possível retreinar o foco e recuperar a presença mental com mudanças de hábito e intervenções adequadas. Tanto abordagens cognitivas, que podemos aplicar no dia a dia, quanto estratégias clínicas podem ajudar a reconstruir nossa capacidade de atenção. Abaixo, listamos algumas estratégias apoiadas pela ciência:
Pratique atenção plena (mindfulness): Técnicas de meditação e atenção plena ajudam o cérebro a permanecer no momento presente e a resistir a distrações. Diversos estudos mostram que a prática regular melhora a concentração e prolonga o tempo de atenção sustentada. Uma pesquisa da Universidade de Harvard revelou, por exemplo, que exercícios de mindfulness podem elevar a capacidade de foco em até 50%. Além disso, a meditação reduz o estresse e a ansiedade, fatores que muitas vezes alimentam a distração.
Concentre-se em uma tarefa por vez e faça pausas programadas: Em vez de tentar fazer tudo ao mesmo tempo, experimente a monotarefa. Dedique blocos de tempo exclusivos para cada atividade, eliminando distrações durante aquele período. Métodos como a técnica Pomodoro, em que se trabalha cerca de 25 minutos focado em uma tarefa, seguidos de um breve intervalo, têm eficácia comprovada para manter a mente alerta e produtiva. Paradoxalmente, pausas curtas durante o trabalho ajudam a manter o foco; ao retornar do intervalo, o cérebro reativa a atenção e retoma a tarefa com energia renovada. Lembre-se de respeitar esses momentos de descanso mental e evite se dispersar com outras atividades nesse meio-tempo.
Gerencie as distrações digitais: Adote uma higiene digital saudável. Isso inclui desligar notificações não essenciais no celular e no computador, definir horários específicos para ler e-mails e mensagens, em vez de checá-los a todo instante, e, sempre que possível, manter o smartphone fora do campo de visão durante atividades que exigem concentração. Se achar difícil, você pode usar aplicativos de foco ou o modo Não Perturbe para bloquear interrupções enquanto trabalha ou estuda. Reduza também o hábito de navegar sem propósito por redes sociais quando estiver realizando alguma tarefa importante. Essas escapadas roubam minutos preciosos e quebram seu ritmo de pensamento.
Cuide do sono, da alimentação e do exercício físico: Aspectos da sua saúde têm impacto direto na atenção. Dormir bem é fundamental; mesmo uma única noite mal dormida prejudica significativamente a capacidade de concentração no dia seguinte. Da mesma forma, manter uma alimentação equilibrada, evitando excesso de açúcar e estimulantes, e estar hidratado favorece o funcionamento cerebral ótimo. Exercícios físicos regulares também melhoram o foco: a atividade aeróbica aumenta neurotransmissores ligados à atenção e proporciona janelas de 2 a 3 horas de maior clareza mental após cada sessão. Pessoas fisicamente ativas tendem a apresentar melhor desempenho em tarefas cognitivas do que aquelas sedentárias. Ou seja, corpo saudável, mente afiada.
Organize suas tarefas e estabeleça metas realistas: Para combater o acúmulo de pendências, utilize técnicas de organização pessoal. Por exemplo, divida tarefas grandes em etapas menores e concretas; assim, você consegue finalizar partes do projeto aos poucos, gerando uma sensação de progresso. Estabeleça metas diárias ou semanais factíveis, priorizando as atividades mais importantes primeiro. Ao visualizar um plano de ação claro, com prazos realistas, fica mais fácil evitar dispersões. Cada pequena tarefa concluída fornece um feedback positivo ao cérebro, aliviando a sensação de pendência interminável e liberando energia mental para o próximo passo. Ferramentas como listas de afazeres ou quadros estilo Kanban podem auxiliar a acompanhar o andamento e fechar ciclos, reduzindo a ansiedade de ter algo em aberto.
Busque ajuda profissional se necessário: Por fim, lembre-se de que nem toda dificuldade de atenção se resume a hábitos modernos; em alguns casos, pode haver condições clínicas envolvidas. Se você percebe um déficit de foco acentuado e persistente que afeta sua vida — no trabalho, estudos ou relações —, considere procurar uma avaliação médica ou psicológica. Transtornos como o TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade), distúrbios de ansiedade ou depressão podem reduzir a capacidade de concentração e requerem abordagens específicas.
Profissionais de saúde podem recomendar terapia cognitivo-comportamental, treinamento de gerenciamento do tempo ou, em certos casos, medicações apropriadas. O importante é saber que a atenção pode ser treinada e melhorada em qualquer fase da vida, seja com mudança de hábitos ou com suporte clínico, permitindo reconquistar a produtividade e a presença mental neste mundo cheio de distrações.
*Texto escrito pelo médico-gestor Pedro Julien Salvarani Borges (CRM-DF 31216), residente em medicina preventiva e social e professor no Medgrupo e na UniRV
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