A ex-diretora do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Maria Inês Fini, e uma das maiores especialistas em avaliação do Brasil, afirmou que anularia o Provão Paulista após os vazamentos de imagens do exame nas redes sociais. Como o Estadão revelou, alunos publicaram imagens do teste que seleciona alunos para a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). As publicações foram feitas durante a realização da prova, iniciada nessa terça-feira, 4, e que termina no dia 12.
A Secretaria Estadual da Educação, responsável pela prova, confirmou que as folhas postadas nas redes sociais são verdadeiras e que foram seis casos. Quatro deles, segundo o governo, já tiveram a prova anulada porque os alunos foram identificados. “A equipe responsável pela avaliação reforça que esses episódios são isolados e a integridade e a credibilidade do exame estão preservadas. Além disso, as medidas de segurança já foram reforçadas, e os diretores das unidades devidamente orientados quanto aos procedimentos de fiscalização”, disse, em nota.
Até esta quinta-feira, 6, havia vídeos e centenas de comentários mostrando posts no TikTok e no X (antigo Twitter) com imagens de questões da prova e até do gabarito já preenchido. “Eu anularia a prova porque esse ruído de ‘vazou a prova certa, vazou a prova errada, anula tal questão’ mancha o pleito para sempre”, disse Estadão. Maria Inês, que comandou o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pelo Enem, na gestão Michel Temer (MDB).
“Você tem de garantir direitos iguais. Se você permite a entrada de um celular, o exame está prejudicado”, completa. “Sei que o custo é altíssimo, mas anularia a prova inteira e aplicaria outra com muito mais rigor.”

Algumas das postagem que o Estadão havia encontrado na quinta-feira não estavam mais acessíveis nesta sexta, 7. Cerca de 1,2 milhão de alunos participam da prova.
A educadora também chama a atenção para o fato de professores da rede estadual serem aplicadores das provas nas salas de aula. O Provão Paulista é realizado em parceira com a Vunesp, responsáveis por diversos vestibulares no País, mas os fiscais da entidade ficam apenas no corredor.
Segundo a Vunesp, cabe à Secretaria Estadual da Educação responder sobre qualquer questão relacionada à prova.
“Não é tarefa dos professores da rede aplicar o exame. Os aplicadores precisam ser externos”, afirma Maria Inês. “O exame que gera direitos fundamentais, como as vagas nessas universidades, tem de ser cercado de rigor técnico profissional que ultrapassa a capacidade da própria rede aplicar.”
O Provão Paulista foi instituído em 2023 em São Paulo e só pode ser feito por estudantes da redes estadual – ele é aplicado nas próprias escolas em que os alunos estudam. É uma avaliação seriada, com provas diferentes para o 1º, o 2º e o 3º ano do ensino médio. Ao final do processo, eles podem conseguir uma das 15 mil vagas na USP, Unesp, Unicamp e nas Fatecs.
Só da USP, são 1,5 mil vagas específicas para esses alunos e eles não precisam passar pelo exame da Fuvest.
Uma postagem no TikTok desta quinta-feira, 6, mostrava questões de Matemática e as respostas dadas pelo aluno, com os dizeres: “boa pra quem vai fazer a prova hoje e amanhã, a minha eu já fiz”. O caderno de questões está em uma carteira de escola. É usado o #provaopaulista.
Em outra publicação, de quarta-feira, há também o gabarito da prova com as respostas assinaladas. “Valeu provão paulista”, diz.
@eduardo.itq É um absurdo o que aconteceu na Prova Paulista. Em várias escolas, o que mais se viu foi gente colando, vídeos no TikTok mostrando respostas e até comentários dizendo que professores ajudaram alunos durante a avaliação. Uma prova que deveria medir o aprendizado acabou virando bagunça. Diante disso, o mínimo que se espera é que o governo leve a situação a sério e reaplique a prova com mais fiscalização e responsabilidade. #provapaulista #enem #provaopaulista #saeb #usp
Segundo o edital do exame, os alunos são proibidos de deixar o local com o caderno de questões ou o gabarito durante a prova ou depois de finalizarem. Os celulares devem ser deixados desligados em envelopes fechados.
Outra postagem mostra a imagem de uma questão sobre o cavalo Caramelo, com a legenda: “Valeu aí provão paulista, me fazendo acordar cedo só pra fazer uma prova, chutei mais que Pelé”. Ela é datada de dois dias atrás, quando foi realizado o exame para alunos do 3ª ano, e sonorizada com um funk cuja letra menciona “um fuzil”.
como que leva o provão paulista a sério pic.twitter.com/DlH9zi60Yb
— ella (@dollrvv) November 6, 2025
Outros alunos, então, passaram a denunciar esses posts em vídeos com comentários indignados, em que pedem providências do governo do Estado. Alguns questionavam se também não houve uso do Chat GPT, por exemplo, já que esses estudantes estavam com o celular durante a prova.
“Absurdo é a palavra que define o Provão Paulista”, diz um estudante em vídeo no TikTok. “Desmotivador ver pessoas usando o celular na prova enquanto me dediquei tanto”, comenta outro.
“Em várias escolas, o que mais se viu foi gente colando, vídeos no TikTok mostrando respostas e até comentários dizendo que professores ajudaram alunos durante a avaliação”, diz outro aluno em postagem no TikTok.
Maria Inês esteve à frente da criação e implementação do Enem entre 1998 e 2002 no Ministério da Educação (MEC) e depois voltou a ser presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) em 2016, órgão da pasta responsável pela prova. “A aplicação do exame é uma verdadeira operação de guerra. Mesmo com tudo que aprendemos no Enem, descobríamos quadrilhas tentando fraudar vagas de Medicina”, diz.
O Enem já registrou vazamentos de fotos durante as provas e o Inep chegou a cancelar o exame nas cidades onde ocorreu. A metodologia do Enem permite que um novo teste, com o mesmo nível de dificuldade, seja aplicado novamente apenas para o grupo afetado. Isso não é possível com o Provão Paulista.
O Provão Paulista foi uma inovação da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) em parceira com as universidades estaduais e é considerado um sucesso por que, além de separar vagas específicas para os estudantes de escolas estaduais, é um estímulo para a participação.
Ele foi mencionado em recente entrevista ao Estadão do candidato a reitor da USP, Aluísio Segurado. Segundo ele, o exame “surgiu do reconhecimento de que 85% dos alunos do ensino médio das redes públicas paulistas se autoexcluíam do vestibular”.
Maria Inês elogia “o mérito da iniciativa do Provão Paulista porque aumenta a inclusão dos alunos da rede estadual” e porque é um exame e o estruturado a partir do currículo do Estado. “Lamento profundamente.”