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Filha de goleiro Cássio não é a única: pais relatam dificuldades para matricular crianças autistas

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O goleiro Cássio, do Cruzeiro, desabafou sobre a dificuldade para matricular a filha, Maria Luísa, de 7 anos, em colégios particulares de Belo Horizonte. “Como pai, ver sua filha rejeitada simplesmente por ser autista é algo que corta o coração”, disse nas redes sociais.

A justificativa das escolas, contou o pai, é a não autorização de uma profissional que acompanha a menina, autista não verbal, desde os 2 anos. A negativa de matrícula de alunos com deficiência é ilegal, mas as escolas não são obrigadas a receber profissionais externos.

A dificuldade do atleta, porém, não é isolada, mesmo entre alunos autistas verbais e que não têm profissional próprio para acompanhamento.

A matrícula de Antônio, na época com 8 anos, foi recusada por quatros escolas no Rio de Janeiro, relata a mãe, a influenciadora Patrícia Moreira. Todos os colégios diziam inicialmente ter vagas, as quais “desapareciam” após ela informar que o garoto está dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais diz que não houve negativa de matrícula à filha de Cássio, mas recusa em aceitar a acompanhante terapêutica contratada pelos pais. A escola tem obrigação de oferecer suporte, mas não necessariamente o indicado pela família do aluno. Procurado, o sindicato dos colégios privados do Rio não falou.

O TEA é um distúrbio do neurodesenvolvimento que pode afetar a capacidade de comunicação, linguagem, interação social e comportamento. É considerado um espectro por envolver conjunto amplo e diversificado de características, sintomas, habilidades e dos níveis de suporte (classificado de 1 a 3, do menor para maior grau de necessidade de suporte). Ou seja, não há padrão de manifestação único do autismo.

“Negaram acesso sem nunca nem ter visto meu filho, simplesmente por ser autista“, afirma Patrícia. ”É uma criança extremamente amorosa e inteligente, tem muitas capacidades.”

Ela conseguiu matricular o filho na escola apenas no mês de abril, dois meses após o início do ano letivo. António é autista nível 1 de suporte e precisa de mediador para auxílio na compreensão das matérias passadas em aula e de exercícios.

Uma dos razões relatadas para as recusas é a falta de estrutura financeira dos colégios para contratar suporte mediador e implementar recursos necessários para tornar a experiência desses alunos mais adaptada ao ambiente escolar. Parte das crianças e adolescentes autistas precisa de suporte pedagógico mediador feito por um profissional que deve acompanhar o estudante individualmente e facilitar a sua inclusão e desenvolvimento escolar.

Por esses motivos, muitos pais de filhos autistas relatam que escolas afirmam já ter preenchido sua “cota” para alunos do espectro ou PCD (pessoa com deficiência). Advogados ouvidos pelo Estadão, porém, apontam que a Lei Brasileira de Inclusão veta a recusa de matrícula de alunos com deficiência ou o estabelecimento de número máximo desses estudantes.

O entendimento foi validado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2016, quando a maioria da Corte reconheceu um dispositivo do Estatuto da Pessoa com Deficiência que proíbe as escolas particulares de recusar matrícula ou cobrar mensalidade mais cara a alunos com deficiência.

A Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) diz que a questão econômica “é uma dificuldade que a escola tem quando já atingiu o número de pessoas (com deficiência) que consegue atender”.

“Para esses alunos, você precisa de atendimento especial que depende de cada caso, mas envolve um assistente a mais ou um recurso dentro da sala. Se a escola esgota a capacidade dela, tem de ser honesta com a família. É melhor assim do que dizer que atende e não conseguir”, diz Amábile Pacios, vice-presidente da Fenep.

Patricia Moreira e o filho Antonio, hoje com 10 anos
Patricia Moreira e o filho Antonio, hoje com 10 anos

A professora Gizéle Vianna também relata dificuldade em conseguir um colégio para o filho. A família se mudou algumas vezes ao longo dos últimos anos, e toda vez que precisava procurar uma nova escola para Joaquim, enfrentava um processo complicado e ouvia falas preconceituosas, ela descreve. Além do autismo nível de suporte 1, Joaquim, hoje com 8 anos, também tem Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH).

“Quando vou conhecer uma escola, a primeira pergunta que fazem é se meu filho tem algum laudo, alguma deficiência”, conta a mãe, que hoje mora no Rio de Janeiro.

Joaquim não precisa de suporte mediador, mas Gizéle diz já ter escutado de um colégio que, se a criança tivesse algum diagnóstico, não haveria mais vaga. O argumento era de que o número de alunos com deficiência já estava preenchido.

Também ouviu que Joaquim não estava dentro do nível de exigência da escola e não se adaptaria à metodologia de ensino, apesar de não terem feito avaliação dos conhecimentos dele.

“Eu poderia, por meios legais, insistir pela vaga, mas como matricular meu filho numa escola que não quer recebê-lo?”, afirma.

Plano de ação para alunos é outro gargalo

É frequente também a necessidade de adaptações, previstas em lei, como o Plano Educacional Individualizado (PEI), documento elaborado para alunos com necessidades educacionais específicas que busca personalizar o planejamento do ensino, adaptando estratégias e metodologias às necessidades individuais de cada aluno.

Caso necessitem, esses alunos também têm direito a mais tempo para realizar provas ou permissão para realizar o exame em sala separada, longe de distrações, por exemplo.

Amábile Pacios, da Fenep, diz que os colégios privados não resistem ao PEI, mas há dificuldades em sua implementação. “É um instrumento que está se adaptando, se consolidando. Ainda tem precariedade no seu uso, algumas equipes ainda estão sendo treinadas para o uso correto do PEI”, afirma.

“Todas as escolas acolhem e entendem que é um instrumento valioso de acompanhamento e para observar o avanço, o progresso e o resultado dos alunos de inclusão”, acrescenta ela.

Patricia relata que hoje, passado o problema da matrícula, os problemas com a escola estão em uma realização adequada do PEI. “Nenhuma escola é 100% preparada para receber alunos de inclusão. Por mais que a escola que António está hoje em dia tente dar o melhor que pode, está longe de ser o que deveria ser”, avalia. Por outro lado, elogia a socialização do filho na escola, que se sente incluído com os colegas.

Gizele Vianna e o filho, Joaquim, hoje com 8 anos
Gizele Vianna e o filho, Joaquim, hoje com 8 anos

Como professora, Gizéle sempre fez questão de perguntar sobre o processo de ensino e aprendizagem nas escolas em que visita. Mesmo naquelas onde não teve problema com matrícula, o preparo para receber alunos autistas é limitado, ela diz.

“Encontro, às vezes, escolas que se dizem inclusivas, que aceitam alunos com laudo, mas quando pergunto sobre como é feito o projeto pedagógico e o PEI, não sabem responder”, conta.

Escola pode negar matrícula de aluno? É obrigada a contratar acompanhante?

Mesmo sob argumento de falta de condições financeiras, escolas não podem alegar uma cota para estudantes com deficiência, afirma a advogada Juliana Segalla, também vice-presidente da Autistas Brasil, associação de defesa dos direitos das pessoas com autismo.

“É ilegal e é crime a negativa de matrícula com base em uma cota de pessoas com deficiência”, afirma.

As famílias também não podem ser cobradas pela contratação de um profissional de suporte, que é obrigação da escola de acordo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e pela Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência.

“Se é caro, a escola tem de diluir pela mensalidade de todos os alunos e prever que pode acontecer. Dentro do custo dela, tem de considerar as tecnologias assistivas e o suporte que vai dar quando tiver um aluno com deficiência”, afirma Juliana.

Situações de negativas de matrícula, de suporte mediador ou de PEI para alunos com deficiência devem ser denunciadas ao Ministério Público, afirma a advogada. O caso também é passível de processo contra o colégio.

Já a contratação de acompanhantes ou profissionais indicados pela família – como no caso de Cássio – não é obrigação das escolas. Procurado pela reportagem, o atleta não se posicionou. Em seu perfil no Instagram, porém, ele disse: “Tudo isso (se referindo às recusas) porque a Maria tem uma pessoa especializada que a conhece profundamente, tem a condiança dela e poderia ajudá-la dentro de sala sem atrapalhar em nada o andamento das atividades. Mesmo assim, as escolas não aceitam essa ajuda”.

A presença de acompanhantes terapêuticos — profissionais da área da saúde, como psicólogos ou terapeutas — não é prevista como obrigação das escolas e pode ser avaliada caso a caso, segundo o Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais.

A advogada Juliana, da associação Autistas Brasil, explica que as escolas não precisam aceitar profissionais contratados pelas famílias porque uma vez dentro do ambiente esoclar, passam a ser responsabilidade dos colégios, apesar de não terem passado por um processo seletivo ou crivo da escola. Apesar disso, as instituições que aceitarem essa responsabilidade, podem aceitar o profissional externo, como aconteceu com a escola que aceitou a filha do goleiro.

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