Um novo instituto vai juntar recursos públicos, descontos em universidades estrangeiras e doações para alavancar o mestrado de brasileiros no exterior. A ideia por trás do Instituto Trajetórias é de que uma formação internacional de alto nível não deve ser apenas uma experiência individual e, sim, uma estratégia nacional de desenvolvimento. O Brasil tem hoje cerca de 30 mil alunos de pós-graduação em instituições internacionais, cerca de 10% do que países como China e Índia.
Lançada nesta quinta-feira, 4, a entidade sem fins lucrativos vai fazer parcerias com Estados e municípios para editais que selecionarão os estudantes para bolsas – pagas pelos governos. Paralelamente, o instituto negocia descontos de 20% a 100% para brasileiros em mensalidades de universidades top 100 no ranking mundial.
Entre as que já fecharam acordo com o instituto estão Universidade de Yale, nos Estados Unidos; Tsinghua Shenzhen, na China; Imperial College London e King’s College, no Reino Unido; École Polytechnique, na França; Hertie School, na Alemanha; e Monash, na Austrália.

Para incentivar que os estudantes voltem para o Brasil no fim do mestrado, a regra é: eles terão de devolver o dinheiro da bolsa, de cerca de US$ 30 mil, se resolverem ficar no exterior. O instituto vai também ajudar na recolocação dos profissionais no mercado brasileiro.
Segundo a CEO do Trajetórias, Leany Lemos, a ideia é aumentar muito a mobilidade internacional dos estudantes do Brasil, hoje restrita a pessoas de alta renda, que podem pagar os altos custos dos mestrados – de cerca de US$ 30 mil.
A entidade ainda buscará doações para criar um fundo para emprestar dinheiro a juros baixos aos pesquisadores, o que ajudaria nos gastos lá fora.
A meta é ter 350 bolsistas em 2026 e 2027 e chegar a 1 mil por ano em 2032. Estados como Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo, Pernambuco, Minas e Goias e ainda a cidade de Recife já assinarão o protocolo de intenções nesta quinta-feira. Segundo ela, o instituto ainda está em tratativas com o Estado de São Paulo para o acordo.
“Os problemas no mundo são globais e complexos, como o clima, a saúde. Uma estratégia de desenvolvimento para o Brasil também precisa ser a de investir em formação global, que conecta as pessoas”, diz Leany, que foi secretária nacional de planejamento do Ministério de Planejamento e Orçamento em 2023 e 2024.
Ela conta que tem conversado com dirigentes das universidades estrangeiras e eles estão “entusiasmados” em ter mais brasileiros nos mestrados. As instituições são avaliadas atualmente em rankings mundiais também pela sua internacionalização discente.
O instituto é apoiado pela Fundação Lemann, que já mantém centros ou parcerias com universidades de excelência como Harvard, Stanford, Oxford e Columbia. Outra vantagem para conseguir os descontos é a escala; a entidade garante mandar uma quantidade grande de alunos do País para cada instituição.
‘Brain gain’, o ganho de cérebros
China e Índia juntas hoje têm dois terços dos estudantes de pós graduação nos principais destinos de formação internacional, com cerca de 40% deles nos Estados Unidos. Já o Brasil, além da quantidade muito menor, concentra 73% na Europa, com prevalência para Portugal e Espanha.
Estudo feito pelo economista Pedro Fernando Nery para o Instituto Trajetórias indica que o Brasil poderia ter 52 mil estudantes internacionais ao ano, quase o dobro de hoje, considerando seu tamanho e nível de renda.
Na pesquisa, ele discute os ganhos de produtividade para países onde ocorre o chamado “brain gain”, ou ganho de cérebros. O termo é usado em oposição ao “brain drain”, que seria a perda de cérebros.
Para Nery, o Brasil está ficando para trás na corrida pela internacionalização, em que as nações competem para enviar seus melhores estudantes aos centros acadêmicos mais prestigiados do mundo. “Investimento em capital humano é um vetor fundamental para o crescimento de economias modernas”, diz, porque leva à ampliação da capacidade de produção científica e à inserção em cadeias globais de valor, com retorno econômico e social.
A secretária de Inovação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Simone Stülp, diz que a intenção do Estado ao fechar o acordo com o instituto é atrair novos pesquisadores e evitar a perda de talentos. “Queremos que, depois de formados nas melhores universidades do mundo, eles possam voltar para cá para nos ajudar na reconstrução de um Estado mais fortalecido, no setor produtivo ou na academia, produzindo conhecimento”, afirma.
O Rio Grande do Sul deve financiar 20 bolsas no primeiro ano, com investimento de cerca de R$ 2 milhões em áreas relacionadas às mudanças climáticas; a intenção é ter profissionais mais qualificados por causa dos eventos extremos que atingem o Estado. Segundo ela, as bolsas serão para população geral e também para servidores públicos.
STEM, saúde e educação são áreas prioritárias
Outras áreas que devem ser prioritárias no Trajetórias são STEM (sigla, em inglês, para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), políticas públicas, saúde e educação. Em todos os locais, a ideia é a de também dar algumas bolsas para servidores.
Para receber os benefícios do instituto, o estudante brasileiro precisa já ter sido aprovado em um curso de mestrado no exterior, a partir dos processos seletivos de cada instituição.
O Instituto Trajetórias também tem o apoio da Fundação VélezReyes+, que investe em educação na América Latina. Bolsas de doutorado ainda não estão previstas.
O Brasil tem atualmente cerca de 320 mil estudantes de pós-graduação, número que vem se mantendo estável desde 2019. O governo federal e órgãos de fomento em alguns Estados oferecem bolsas para os pesquisadores que variam de R$ 2 mil a R$ 3,5 mil para o mestrado.
A taxa de doutores por habitantes no Brasil – 11 por 100 mil – é inferior a dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 21 por 100 mil habitantes.