Pesquisa “Vitimização e percepção sobre violência e segurança pública: um olhar sobre crime patrimonial e violência”, organizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e realizada pelo Instituto Datafolha, aponta que 1 em cada 5 brasileiros afirmou que ao menos 1 criança ou adolescente de sua família sofreu bullying, virtual ou presencial, nos últimos 12 meses. O equivalente a pelo menos 34,4 milhões de vítimas.
Outro dado mostra que cerca de 5% dos brasileiros (o equivalente a 8,6 milhões de pessoas) afirmaram conhecer crianças ou adolescentes vítimas de “desafios” violentos em plataformas digitais, como práticas de automutilação e incitação à violência.
Diante do problema – que tem impactos globais – será lançada nesta terça-feira, 4, a ABCD: Ação Brasileira para Consciência Digital. Uma associação sem fins lucrativos que reúne aliados nacionais e internacionais, para a proteção, conscientização e defesa da criança e do adolescente nos ambientes digitais.
A instituição fará a ponte entre entidades do País e do exterior que trabalham pelo uso responsável da tecnologia, explicando de forma didática e acessível, para a sociedade, o que está acontecendo no mundo digital. Além disso, a entidade aposta em uma abordagem com olhar psicológico, analisando os impactos das redes sociais no desenvolvimento dos jovens.

A ABCD conta com o apoio da Associação Europeia para a Transição Digital (AETD), entidade criada em 2020, com o objetivo de contribuir para um mundo digital mais seguro, saudável, justo e ético para os jovens. A marca defende que o digital deve ser mais humano e consciente.
“Se não houver conscientização, nós, os cidadãos, a sociedade civil, não podemos pedir as ferramentas, não podemos pedir às autoridades públicas que nos protejam”, afirma Ana Caballero, vice-presidente da AETD e diretora da ABCD.
Entre os objetivos da organização estão criar campanhas educativas sobre o uso seguro da internet, capacitar pais, educadores e o poder público, e incentivar pesquisas e estudos sobre cidadania digital e defender políticas públicas que garantam um ambiente digital mais seguro e ético.
Os diretores reforçam que o foco vai além do cyberbullying, mas sim olhar para o todo: o impacto das redes na educação escolar dos jovens, excesso de telas e as restrições que devem ser feitas.
“É urgente despertar pais e cuidadores dessa ilusão de que crianças e adolescentes, quando estão dentro de casa, estão seguros. Com as falhas na regulação e a falta de segurança nos ambientes digitais, uma criança ou adolescente está solto num mundo imenso e desconhecido”, explica Christina Carvalho Pinto, também diretora da ABCD.
A ABCD já planeja ações voltadas à educação familiar e combate à desinformação. Segundo Christina, o próprio site da associação será “uma fonte confiável de informação e inspiração para jornalistas e educadores que desejam pautar o tema da segurança digital de forma responsável”.
Geração das telas
Os adolescentes e crianças do mundo de hoje correspondem à geração Z (nascidos entre 1996 e 2009) e a geração Alpha (a partir de 2010). Ambas nasceram em meio aos computadores, celulares, videogames e redes sociais. Ou seja: separar o digital do real sempre foi uma tarefa difícil.
E não demorou muito para que os problemas viessem à tona. O assunto é discutido em séries, como o caso da britânica Adolescência, em documentários, nas próprias redes sociais (assunto que colocou o influenciador Felca em evidência) e claro, por grandes entidades.
Para Caballero, três passos são essenciais para mudar o atual mundo digital: conscientização, regulamentação e educação. “Há questões que precisam ser classificadas como novos crimes, e os códigos penais precisam ser modificados”, declara.

A relevância do debate levou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública a dedicar, na edição deste ano, um capítulo exclusivamente ao bullying e ao cyberbullying. A decisão teve como base a Lei nº 14.811, que incluiu essas práticas entre os crimes hediondos quando resultarem em lesão corporal grave ou morte, além de ter inserido ambas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e na Lei Maria da Penha, quando configuradas no contexto de violência doméstica e familiar.
Um estudo inédito — Aspectos da Violência nas Escolas a partir do Mundo Digital — realizado pelo Fórum em parceria com a empresa de monitoramento Timelens, revelou aumento de 360% nas postagens com ameaças a escolas entre 2021 e 2025. O levantamento também mostrou que o discurso de ódio, antes concentrado na deep web, agora circula mais livremente na internet aberta.
“Muita gente me fala ‘o bullying sempre existiu’. Sim, o bullying sempre existiu, mas o que nem sempre esteve presente é a tecnologia. A tecnologia expõe a vítima muito mais; ela transcende paredes”, lembra Ana.
É importante frisar que o problema não está apenas no tempo de exposição, mas em como as redes estão moldando comportamentos dos jovens. Além disso, estamos falando de “populações vulneráveis”, em busca de amigos, identificações e a própria identidade. Crianças e adolescentes estão, afinal, em um estágio de desenvolvimento e neurodesenvolvimento muito importante e esses impactos são muito mais profundos.
Conscientização global
No Brasil, mesmo com a recente lei que restringe o uso de celulares nas escolas, o País continua com uma das maiores taxas de conectividade jovem da América Latina. Segundo o levantamento da TIC Kids Online de 2025, 92% dos adolescentes e crianças acessaram a internet nos últimos três meses. A maior parte faz isso várias vezes ao dia, principalmente em casa.
A pesquisa entrevistou 2.370 menores de idade e seus responsáveis entre março e setembro deste ano e apontou que 92% dos brasileiros entre nove e 17 anos são usuários de internet – o equivalente a 24,5 milhões de pessoas. O WhatsApp é a plataforma mais acessada, seguido por YouTube (48%), Instagram (48%) e TikTok (46%).
Entre as faixas etárias, 64% das crianças de 9 a 10 anos usam a rede; 79% entre 11 e 12 anos; e 91% entre 13 e 14. Já entre os adolescentes de 15 a 17 anos, quase todos (99%) têm perfil em pelo menos uma plataforma digital.
Na Europa, seis organizações (a AETD, Save The Children, Fundação ANAR, iCMedia, Dale Una Vuelta e Unicef), com o apoio institucional da Agência Espanhola de Proteção de Dados e da Procuradoria-Geral do Estado, uniram forças para criar um pacto nacional sobre os impactos do uso da internet e das redes sociais entre menores de idade.
Inspirada na AETD, a Colômbia lançou sua própria iniciativa, o Consenso Nacional de Cuidados Digitais. O movimento surgiu após mais de 260 mil denúncias de exploração sexual infantil registradas na plataforma Te Protejo.